Início Nuno Reis Reflexões

Reduzir a dependência energética do país depende tanto de acções em termos de gestão da oferta como de gestão da procura. Algo que este Governo, sucedâneo do anterior, não chegou ainda a perceber. Com efeito, à propaganda oficial tem sido mais fácil agitar a bandeira dos mega-investimentos (privados) em energia eólica, solar-fotovoltaica ou hidroeléctrica do que ser o próprio Estado a dar o exemplo. Alguém no Governo, por exemplo, poderá responder quantos edifícios do Estado foram alvo de uma avaliação e certificação energética desde 2005?

Tão preocupado com a Educação, ou melhor com as estatísticas da educação, também não ouvimos a este Governo qualquer referência a temas como a Educação para a Sustentabilidade. Se é difícil educar, muito mais difícil é reeducar, corrigindo comportamentos errados que muito custam às famílias e ao país. A consciencialização para a importância de pequenos gestos como desligar o televisor ou a consola de videojogos na tomada, uma utilização mais racional de todo o tipo de electrodomésticos, a substituição de lâmpadas incandescentes por iluminação eficiente, são exemplos de medidas muito simples e que deveriam ser ensinadas às crianças desde o Ensino Básico.

Não se reconhece aos governantes socialistas qualquer preocupação com medidas de índole comportamental, que implicam pouco ou nenhum investimento, e que teriam reflexos importantes na factura energética nacional. Mais uma vez, actuar do lado da gestão da procura energética e não apenas na gestão da oferta.

A um outro nível, referências obrigatórias para uma Estratégia Nacional de Energia (ENE) que, não fora pelo esforço do PSD, quase passava despercebida, chegando a Bruxelas apenas com contributos do interior do Governo. E aqui denunciámos mais um paradoxo inconciliável: anunciava-se uma discussão pública sobre a ENE que iria envolver vários sectores da sociedade, mas só após pressão pública do PSD concederam tempo (pouco, ainda assim) para a chegada de contributos do meio académico, político e empresarial.

No que a esta estratégia diz respeito, mais do que discutir aqui se, de acordo com os planos do Governo, a eólica deverá ter X MWh de capacidade instalada em 2020 ou o solar térmico apenas Y, numa altura em que o país é novamente assolado por uma vaga de incêndios, deixo uma nota acerca da biomassa. É necessário, de uma vez por todas, criar incentivos a que a limpeza das florestas tenha uma racionalidade económica. Questionámo-nos, pois, se a aposta na biomassa não deveria ser de facto uma realidade muito menos “envergonhada” do que aquilo que tem vindo a acontecer. Depois do tempo perdido com atrasos nos concursos para novas centrais e até tendo em conta a necessidade de preservação da nossa floresta enquanto riqueza natural nacional, será que não deveria o Governo dar uma outra ênfase à biomassa? Uma hipótese, por exemplo, poderia passar pela diminuição do IVA a que a mesma está sujeita.

Já a quase loucura mediática deste Governo em torno do veículo eléctrico dá-nos a prova de como o Governo, além de ser mau a planear e péssimo a executar, tem objectivos desligados da realidade. Segundo os dados tornados públicos por um jornal de referência, mesmo a cumprir-se a meta de, até 2020, 10% do parque automóvel português ser eléctrico apenas se reduziria a dependência externa de combustível fóssil em 1%. Na realidade, a meta de 10% de fontes renováveis no sector dos transportes será assegurada em 90% por biocombustíveis, o que significa que os restantes 10%, asseguradas por electricidade, se consubstanciarão apenas numa poupança total de apenas 1% do consumo de petróleo do país.

Ou seja o grande racional avançado para a aposta cega no veículo eléctrico é, no mínimo, questionável. Se juntarmos a isto o facto de o Governo ter diminuído as deduções fiscais para as empresas na compra de veículos “convencionais” e aumentado as mesmas para os veículos eléctricos, facilmente concluímos que sob o pretexto de uma aposta discutível se está a aumentar a carga fiscal das empresas que não embarquem na onda eléctrica rosa.

Ainda tendo por pano de fundo o que foi a nossa actuação ao longo da sessão legislativa finda, não se pode deixar de fazer uma referência àquilo com que o PSD se deparou aquando da apreciação parlamentar que solicitamos ao decreto-lei sobre co-geração. Para nosso espanto, durante as audições efectuadas, ficamos a perceber que o cálculo do malfadado défice tarifário anual não entra em linha de conta com os ganhos de poupança para o sistema da produção de electricidade pelas empresas em regime de co-geração.

Ou seja, para o cálculo da dívida tarifária (resultante de diversas componentes, de entre as quais a subsidiação do sobrecusto com as renováveis), cujo Governo socialista pouco ou nada tem feito para atenuar (e que, segundo os dados mais recentes, se cifra em 1890 milhões de euros) há parcelas que não estão a ser consideradas! O que nos coloca legítimas dúvidas sobre os valores reais da dívida. Mas à boa maneira socrática o que interessa é a gestão mediática do momento. Não interessa se em quinze anos se terá que acabar com essa dívida tarifária, não interessa sequer que a mesma não seja calculada com todo o rigor devido e até possa, eventualmente, ser menor.

Referindo-me agora a uma outra vertente, na altura em que escrevo estas linhas, meados de Agosto, não resisto a trazer à colação uma carta que recebi na passada semana. Trata-se da cópia de um ofício enviado para o Ministério da Economia e Direcção Geral de Energia por uma empresa instaladora de equipamentos para produção de electricidade em regime de microgeração. A referida empresa fez um investimento considerável na contratação de técnicos instaladores mas como o Governo não emitiu nenhuma portaria regulamentadora, o que já há meses deveria ter acontecido, vê-se agora na contingência de despedir os técnicos superiores qualificados que entretanto havia contratado...

Mas poderíamos trazer também o exemplo dos produtores de biocombustíveis, nomeadamente biodiesel, que volvido mais de metade do ano não sabem ainda qual o respectivo nível de isenção de ISP a partir de  2011.

Com um quadro fiscal incongruente e sem saberem com rigor com que regras poderão operar no futuro próximo, os pequenos e médios operadores privados no sector da energia, com a excepção do pequeno círculo de algumas grandes empresas que o Governo continua a acarinhar cuidadosamente (recorde-se o caso das empresas envolvidas no Mobi-E), vivem no fio da navalha.

Que dizer dos atrasos no licenciamento de novos equipamentos ou no lançamento de concursos e atribuição de licenças? Enfim, muitos são os exemplos incómodos com que o Governo não gosta de ser confrontado e que constituem o “país real das renováveis” .

Por tudo isto, e ao contrário do que a propaganda oficial tem transmitido, não há nesta política energética objectivos correctamente definidos, nem a tradução de um conjunto focado de prioridades nem, muito menos, um enunciado claro de medidas concretas para as concretizar.

A propalada politica energética de sucesso não passa, em muitos aspectos, de uma mistificação. Quando em 2020 olharmos para trás e virmos o que foi feito não teremos os 100 mil postos de trabalho no sector da energia nem os também prometidos 21 mil postos de trabalho criados anualmente no sector da eficiência energética.

E por muito que o Governo Sócrates fale num cluster energético nacional no sector das renováveis, que pura e simplesmente não existe nos termos em que é anunciado, o mesmo também não será realidade em 2020 se o país não mudar de rumo e investir mais e melhor em investigação e desenvolvimento nesta área. Na realidade, o tal cluster nacional de que falam é feito com tecnologia proprietária...

Motivos não faltam, pois, para continuarmos nesta nossa cruzada de combater uma política feita de grandes anúncios panfletários e resultados parcos. Sendo certo que não é fácil combater mentiras que alguém pretende tornar verdades pela repetição, em cada oportunidade tentaremos desmontar uma “história de sucesso” que não passa de uma caricatura estética da realidade. E que custa ao país muitos milhões: em investimentos que poderiam ser melhor canalizados e poupanças que se não fizeram. Por muitas referências, melhor ou pior pagas, num FT ou num NYTimes.

Nuno Reis

 

Coordenador GPPSD na 6ª Comissão (Assuntos Económicos, Inovação e Energia)

Coordenador GT “Energia e Eficiência Energética” da 6ªa Comissão Parlamentar

 

 

 

 

 

 

 

  

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O melhor desempenho na Assembleia

Francisco Assis - 6.3%
Jerónimo de Sousa - 6.3%
Francisco Louçã - 7.1%
Bernardino Soares - 6.3%
Heloisa Apolónia - 3.6%
Telmo Correia - 0.9%
João Semedo - 4.5%
Luís Montenegro - 17.9%
Nuno Magalhães - 3.6%
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Outros - 15.2%

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