Início Nuno Reis Reflexões

De olhos bem fechados

 

Avessa a comentários públicos sobre questões polémicas, a Rainha de Inglaterra surpreendeu meio mundo quando há dois anos atrás, na inauguração do novo edifício de uma escola de economia, interpelou os eminentes professores: "Como foi possível ninguém se aperceber da crise?".

 

Nos últimos dias veio-me à memória este episódio. A Comissão de Inquérito à Crise Financeira, entidade nomeada pelo governo americano, terminou o seu mandato. Fê-lo, publicando um Relatório extenso sobre a crise financeira. Vale a pena atentar nalgumas conclusões de 18 meses de diligências investigatórias sobre as causas de uma crise que rapidamente se espalhou.

 

A Comissão acusa a Reserva Federal americana de ter ignorado os sinais de alarme e falhado no estabelecimento de critérios mais prudentes para o crédito à habitação.
A "fé" na racionalidade absoluta dos mercados bem como na capacidade dos bancos se auto-regularem foram ideias que se vieram a revelar erradas. A indústria financeira no seu todo, com a complacência de várias administrações e reguladores (Alan Greenspan sai chamuscado) desempenharam um "papel chave no enfraquecimento dos constrangimentos regulatórios às instituições, mercados e produtos".

 

Aos bancos são apontadas falhas nos mecanismos de governação interna e na gestão do risco, bem como assinalada a perversidade de prémios aos gestores, que incentivaram ganhos de curto-prazo em vez de estimular resultados a longo prazo.

 

Excessivo endividamento, investimentos de risco e falta de transparência nos procedimentos são ainda identificados como tendo posto o sistema financeiro no caminho da crise. As instituições financeiras assumiram demasiado risco para o capital próprio de que dispunham. Para piorar as coisas, essa "alavancagem" exagerada estava muitas vezes dissimulada através de produtos que não constavam do balanço dos bancos e os relatórios financeiros chegaram a ser "mascarados".

 

Também a este nível, o governo americano é dado como mau exemplo. No final de 2007, duas entidades sob a sua tutela, instrumentos da política pública de apoio à habitação, garantiam entre si 75 dólares de empréstimos por cada dólar de capital próprio.

 

O Relatório aponta uma quebra generalizada na responsabilização e ética empresarial ao nível das instituições financeiras. Os bancos, na generalidade, são acusados de ter concedido crédito a quem não podia pagar e de através da securitização (agrupar títulos de dívida em títulos transacionáveis, transferindo assim dívidas de empréstimos de investidor para investidor) terem transferido créditos que não cumpriam com os seus próprios requisitos internos de avaliação.

 

Nalguns casos, suspeitando mesmo que o que estavam a vender eram activos tóxicos, acusa a Comissão de Inquérito. Um número que dá que pensar: 68% da mais popular modalidade de hipoteca concedida em 2005 por dois conhecidos bancos especializados em crédito à habitação exigia pouca ou nenhuma documentação.

 

Contas feitas, a verdade é que desde 2008 até agora o sistema financeiro americano, e mundial até, está mais concentrado, num pequeno número de instituições demasiado grandes para falhar, do que antes da crise ter eclodido. Perceber com rigor o que correu mal é o primeiro passo para se prosseguir no rumo mais correcto. É esse o grande mérito desta Comissão de Inquérito. Haja agora coragem política e racionalidade económica para alterar o que estava e continua mal.

 

Conclui a Comissão que a crise poderia ter sido evitada. E deixa o aviso: "a maior tragédia seria aceitar a ideia de que ninguém se podia ter apercebido da crise financeira e que portanto nada poderia ter sido feito. Se aceitarmos esta noção, acontecerá de novo."

 

Se voltasse a este assunto, Sua Majestade não diria melhor.

 

Nuno Reis

110208

- uma versão deste artigo foi publicada em

"O Primeiro de Janeiro" e no blogue "Câmara de Comuns" -

 

O doente e os sintomas

 

Num combate em que só um dos candidatos se apresentou com uma “ideia” para o país era natural que acontecesse o que aconteceu nestas Presidenciais.

 

Ganhou, e bem, Cavaco, porque o seu principal opositor não representou a voz descomplexada de protesto de há cinco anos. Carregando o passivo de ter, desta vez, o apoio do (seu) partido do governo, numa altura em que o país vive a maior crise dos últimos trinta anos, Alegre fez uma campanha triste, desgarrada, tentando sempre o exercício impossível de não hipotecar o apoio de quem apoia (PS) e de quem se opõe ao Governo (BE).

 

Ganhou, e bem, Cavaco, porque à excepção, a espaços, de Nobre, todos os outros candidatos se preocuparam mais em atacar o “homem” do que colocar em causa o “político”.

 

O que resta pois de uma batalha cujo desfecho se adivinhava à partida? A confirmação do estado de descrença colectiva de um país que em 2010 começou a acordar para a dura realidade de uma história que tem pouco a ver com o conto de fadas que, nos últimos anos e culminando nas legislativas de 2009, alguns lhe tentaram impingir.

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Feliz Ano Zero

 

Portugal começa 2011 sob o mesmo signo do ano anterior. Na quarta-feira da semana passada, pela emissão de bilhetes do tesouro português a 6 meses, aqueles que nos emprestam dinheiro voltaram a exigir um juro elevado.

 

É o preço a pagar por quem, nos últimos 10 anos, praticamente não conseguiu fazer a economia gerar mais riqueza e ainda por cima continuou a gastar mais do que pode. É o preço a pagar por quem se desconfia não ter condições de pagar o que deve.

 

Num filme muito semelhante àquele a que já assistimos antes de Grécia e Irlanda se verem forçados a recorrer ao FMI e ao Fundo de Estabilização Financeira da Europa, nestes últimos dias surgem notícias de que Alemanha e França "aconselham" o nosso país a enfrentar a realidade e reconhecer que não tem condições de endireitar as contas públicas sem intervenção externa.

 

Entretanto, a 12 de Janeiro, voltou Portugal, com a corda ao pescoço, a pedir dinheiro emprestado ao exterior. Foi o primeiro grande teste do ano à capacidade do país conseguir convencer os seus financiadores de que tem condições de honrar compromissos. Com a ajuda do Banco Central Europeu e da "amiga" China conseguiu-se, por ora, afastar o espectro da necessidade de auxílio externo.

Com um juro ainda próximo dos 7 por cento não seria caso, e nem era preciso um Nobel para o dizer, de lançar foguetes.

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Governação Económica

 

Para um país como Portugal, o novo modelo de governação económica da Europa acarreta duas “ameaças” primordiais:

 

1- Uma subalternização do papel do Parlamento Nacional enquanto palco até agora primordial de definição das grandes linhas estratégicas para o país, na medida em que passarão a ser emanadas dos Conselhos Europeus as grandes linhas estratégicas em termos de política, as quais deverão orientar a feitura dos orçamentos nacionais;

 

2- Um aprofundamento das medidas que até agora existiam ao nível dos procedimentos por défice excessivo até ao ponto de poderem ser aprovadas sanções, o que para um país que na última década tem visto sistematicamente em causa o equilíbrio das contas públicas traz preocupações.

 

Poderemos também identificar “oportunidades”:

 

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As mãos que embalam o berço

 

Consta que Thomas Gresham foi conselheiro da Rainha Isabel I. Fica-lhe associada uma Lei que postula ser a boa moeda expulsa pela má moeda num contexto em que as duas convivem num mesmo mercado. Em Portugal muitos se lembrarão da forma como esta Lei ganhou notoriedade num contexto não económico mas político.

 

Na realidade, quase seis anos são passados sobre um famoso artigo de opinião de Aníbal Cavaco Silva. O agora Presidente da República tecia um paralelo entre o que é descrito na Lei de Gresham e o que se passaria em contexto político, no caso o português. Assim, também na vida política os melhores protagonistas seriam afastados pelos maus.

 

Ao que se diz, Jorge Sampaio terá interpretado o artigo de opinião num contexto de crítica mais ou menos velada ao governo liderado por Santana Lopes. O resultado final desse processo é de todos conhecido.

 

Mas volvido este tempo, num contexto económico tão difícil quanto o que Portugal vive neste momento, há reflexões que não deixam de fazer sentido. Até ganham em oportunidade.

 

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Inquérito

O melhor desempenho na Assembleia

Francisco Assis - 6.3%
Jerónimo de Sousa - 6.3%
Francisco Louçã - 7.1%
Bernardino Soares - 6.3%
Heloisa Apolónia - 3.6%
Telmo Correia - 0.9%
João Semedo - 4.5%
Luís Montenegro - 17.9%
Nuno Magalhães - 3.6%
Carlos Zorrinho - 0.9%
António José Seguro - 15.2%
Carlos Abreu Amorim - 12.5%
Outros - 15.2%

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